SENADO FEDERAL
PRESIDÊNCIA
ANTEPROJETO DO NOVO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Comissão de Juristas instituída pelo
Ato do Presidente do Senado Federal
nº 379, de 2009, destinada a elaborar
Anteprojeto de Novo Código de Processo
Civil
BRASÍLIA – 2010
Brasil. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas
Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de
Processo Civil.
Código de Processo Civil : anteprojeto / Comissão de
Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de
Código de Processo Civil. – Brasília : Senado Federal, Presidência,
2010.
p. 381
1. Processo civil, legislação, anteprojeto, Brasil, 2010. 2. Código
de processo civil, anteprojeto, Brasil, 2010. I. Título.
CDDir 341.46
A harmonia entre os Poderes, princípio pétreo de nossa Constituição,
em sua melhor acepção, significa uma estreita colaboração entre Legislativo,
Judiciário e Executivo. O Senado Federal tem tido a sensibilidade de atuar em
estreita colaboração com o Judiciário, seja no âmbito do Pacto Republicano
– iniciativa entre os três poderes para tomar medidas que agilizem a ação da
Justiça –, seja propondo um conjunto de leis que tornam mais efetivos vários
aspectos pontuais da aplicação da justiça.
O Senado Federal, sempre atuando junto com o Judiciário, achou que
chegara o momento de reformas mais profundas no processo judiciário, há
muito reclamadas pela sociedade e especialmente pelos agentes do Direito,
magistrados e advogados. Assim, avançamos na reforma do Código do Processo
Penal, que está em processo de votação, e iniciamos a preparação de um
anteprojeto de reforma do Código do Processo Civil. São passos fundamentais
para a celeridade do Poder Judiciário, que atingem o cerne dos problemas
processuais, e que possibilitarão uma Justiça mais rápida e, naturalmente,
mais efetiva.
A Comissão de Juristas encarregada de elaborar o anteprojeto de novo
Código do Processo Civil, nomeada no final do mês de setembro de 2009 e
presidida com brilho pelo Ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça,
trabalhou arduamente para atender aos anseios dos cidadãos no sentido de
garantir um novo Código de Processo Civil que privilegie a simplicidade da
linguagem e da ação processual, a celeridade do processo e a efetividade do
resultado da ação, além do estímulo à inovação e à modernização de procedimentos,
garantindo o respeito ao devido processo legal.
Preparado com grande transparência e da maneira mais participativa
possível – com a realização das audiências públicas nas cinco regiões de
nosso País – o trabalho que a Comissão de Juristas nos apresenta será agora
submetido aos ritos do processo legislativo. Contamos que sua tramitação
UM NOVO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
na Senado Federal, e, mais tarde, na Câmara dos Deputados, se dê em pouco
tempo, para que esse trabalho possa chegar logo ao cotidiano da população
brasileira.
O Senado Federal e eu pessoalmente somos reconhecidos a todos os
Membros da Comissão de Juristas – o eminente Ministro Luiz Fux, do Superior
Tribunal de Justiça, a Doutora Teresa Wambier e os Doutores Adroaldo
Fabrício, Benedito Pereira Filho, Bruno Dantas, Elpídio Nunes, Humberto
Teodoro Júnior, Jansen Almeida, José Miguel Medina, José Roberto Bedaque,
Marcus Vinícius Coelho e Paulo Cezar Carneiro – bem como aos funcionários
da Casa que os auxiliaram, pela dedicação e pela qualidade do trabalho
realizado.
José Sarney
Presidente do Senado Federal
Exmo Senhor Presidente do Senado Senador José Sarney.
Queridos membros da Comissão composta pelos juristas Teresa Arruda
Alvim Wambier (Relatora) Adroaldo Furtado Fabrício Humberto Theodoro
Júnior, Paulo Cesar Pinheiro Carneiro, José Roberto dos Santos Bedaque
Almeida, José Miguel Garcia Medina, Bruno Dantas, Jansen Fialho de
Almeida,Benedito Cerezzo Pereira Filho, Marcus Vinicius Furtado Coelho e
Elpídio Donizetti Nunes, sem os quais não se teria lavrado esse ideário
William Shakespeare, dramaturgo inglês, legou-nos a lição de que o tempo
é muito lento para os que esperam e muito rápido para os que têm medo.
Os antigos juristas romanos, por sua vez, porfiavam a impossibilidade
de o direito isolar-se do ambiente em que vigora, proclamando, por todos,
Rudoolf Jhering no seu L.espirit Du droit romain, que o método imobilizador
do direito desaparecera nas trevas do passado.
Essas lições antigas, tão atuais, inspiraram a criação de uma Comissão
de Juristas para que, 37 anos depois do Código de 1973, se incumbisse de
erigir um novel ordenamento, compatível com as necessidades e as exigências
da vida hodierna.
É que; aqui e alhures não se calam as vozes contra a morosidade da
justiça. O vaticínio tornou-se imediato: “justiça retardada é justiça denegada”
e com esse estigma arrastou-se o Poder Judiciário, conduzindo o seu desprestígio
a índices alarmantes de insatisfação aos olhos do povo.
Esse o desafio da comissão: resgatar a crença no judiciário e tornar
realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere.
Como vencer o volume de ações e recursos gerado por uma litigiosidade
desenfreada, máxime num país cujo ideário da nação abre as portas do judiciário
para a cidadania ao dispor-se a analisar toda lesão ou ameaça a direito?
Como desincumbir-se da prestação da justiça em um prazo razoável
diante de um processo prenhe de solenidades e recursos?
Como prestar justiça célere numa parte desse mundo de Deus, onde
de cada cinco habitantes um litiga judicialmente?
Kelsen, o jurista de Viena, de há muito exaurido de perseguir o valor
justiça, concluiu não ser importante saber de imediato a resposta, senão, não
parar de questionar.
O impulso para alcançar um ideal e que estimula os homens, são os
sonhos, e esses não inventam , passam dos dias para a noite e é deles que devemos
viver, não importando onde estejam as soluções.
No vaticano, há um afresco sobre a justiça, no qual Platão aponta para
os céus e Aristóteles para a terra. Utopia ou realidade? “Justiça”; esse valor
que levou à cruz o senhor das idéias e das palavras, e que ainda é o sonho a
ser alcançado, assim como o era o desejo dos antigos em alcançar as estrelas;
fator decisivo para o desenvolvimento da humanidade.
O tempo não nos fez medrar e de pronto a Comissão enfrentou a tormentosa
questão da morosidade judicial.
Queremos justiça!!! Prestem-na com presteza; dizem os cidadãos.
Sob o ecoar dessas exigências decantadas pelas declarações universais
dos direitos fundamentais do homem, e pelas aspirações das ruas, lançou-se a
comissão nesse singular desafio, ciente de que todo o poder emana do povo,
inclusive o poder dos juízes, e em nome de nossa gente é exercido.
A metodologia utilizada pela comissão visou a um só tempo vencer o
problema e legitimar a sua solução.
Para esse desígnio, a primeira etapa foi a de detectar as barreiras para
a prestação de uma justiça rápida; a segunda, legitimar democraticamente as
soluções.
No afã de atingir esse escopo deparamo-nos com o excesso de formalismos
processuais, e com um volume imoderado de ações e de recursos.
Mergulhamos com profundidade em todos os problemas, ora erigindo soluções
genuínas, ora criando outras oriundas de sistema judiciais de alhures,
optando por instrumentos eficazes, consagrados nas famílias da civil law e da
common law, sempre prudentes com os males das inovações abruptas mas
cientes em não incorrer no mimetismo que se compraz em repetir, ousando
sem medo .
A legitimação democrática adveio do desprendimento com que ouvimos
o povo, a comunidade jurídica e a comunidade científica. O volume
das comunicações fala por si só: foram 13 mil acessos a página da Comissão,
audiências públicas por todo o Brasil nas quais recebemos duzentas e sessenta
sugestões e a manifestação da Academia, aí compreendidos todos os
segmentos judiciais; da Associação Nacional dos Magistrados à Ordem dos
Advogados do Brasil, perpassando por institutos científicos e faculdades de
direito, as quais formularam duzentas proposições, a maior parte encartada
no anteprojeto.
Em suma: a sociedade brasileira falou e foi ouvida.
O desvanecimento que hoje nos invade é o de que sonhamos junto
com a nação brasileira, ousamos por amor ao futuro de nosso país e laboramos
com empenho, alegrias e sofrimentos, numa luta incansável em prol da
nossa pátria.
Era mesmo a hora de mudar: os novos tempos reclamam um novo
processo , como proclamava Cesare Vivante : Altro tempo, Altro Diritto.
O Brasil clama por um processo mais ágil, capaz de dotar o país de
um instrumento que possa enfrentar de forma célere, sensível e efetiva, as
misérias e as aberrações que passam pela Ponte da Justiça.
Missão cumprida, Senhor Presidente. Receba esse anteprojeto sob a
magia da oração em forma de poesia, daquele que valia por uma literatura; o
saudoso e insuperável Fernando Pessoa :
É o tempo da travessia
E se não ousarmos fazê-la
teremos ficado …. para sempre…
À margem de nós mesmos.
Que Deus permita-nos propiciar com esse novo código a felicidade
que o povo brasileiro merece.
Ministro Luiz Fux
Presidente da Comissão de Juristas encarregada da elaboração
do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil.
Brasília, 8 de junho de 2010.
Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, Senador José
Sarney.
Honrados pela nobre designação com que fomos distinguidos, submetemos
à elevada apreciação de Vossa Excelência o Anteprojeto de Código
de Processo Civil.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento
e a realização1 dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada
um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais2
de um Estado Democrático de Direito.3
Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico
passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se
1 Essencial que se faça menção a efetiva satisfação, pois, a partir da dita terceira fase metodológica
do direito processual civil, o processo passou a ser visto como instrumento, que deve
ser idôneo para o reconhecimento e a adequada concretização de direitos.
2 Isto é, aquelas que regem, eminentemente, as relações das partes entre si, entre elas e o
juiz e, também, entre elas e terceiros, de que são exemplos a imparcialidade do juiz, o contraditório,
a demanda, como ensinam CAPPELLETTI e VIGORITI (I diritti costituzionali
delle parti nel processo civile italiano. Rivista di diritto processuale, II serie, v. 26, p. 604-650,
Padova, Cedam, 1971, p. 605).
3 Os princípios e garantias processuais inseridos no ordenamento constitucional, por conta
desse movimento de “constitucionalização do processo”, não se limitam, no dizer de LUIGI
PAOLO COMOGLIO, a “reforçar do exterior uma mera ‘reserva legislativa’ para a regulamentação
desse método [em referência ao processo como método institucional de resolução de conflitos
sociais], mas impõem a esse último, e à sua disciplina, algumas condições mínimas de legalidade
e retidão, cuja eficácia é potencialmente operante em qualquer fase (ou momento nevrálgico) do
processo” (Giurisdizione e processo nel quadro delle garanzie costituzionali. Studi in onore di
Luigi Montesano, v. II, p. 87-127, Padova, Cedam, 1997, p. 92).
transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no
mundo empírico, por meio do processo.4
Não há fórmulas mágicas. O Código vigente, de 1973, operou satisfatoriamente
durante duas décadas. A partir dos anos noventa, entretanto,
sucessivas reformas, a grande maioria delas lideradas pelos Ministros Athos
Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, introduziram no Código
revogado significativas alterações, com o objetivo de adaptar as normas processuais
a mudanças na sociedade e ao funcionamento das instituições.
A expressiva maioria dessas alterações, como, por exemplo, em 1.994,
a inclusão no sistema do instituto da antecipação de tutela; em 1.995, a alteração
do regime do agravo; e, mais recentemente, as leis que alteraram a execução,
foram bem recebidas pela comunidade jurídica e geraram resultados
positivos, no plano da operatividade do sistema.
O enfraquecimento da coesão entre as normas processuais foi uma
conseqüência natural do método consistente em se incluírem, aos poucos, alterações
no CPC, comprometendo a sua forma sistemática. A complexidade
resultante desse processo confunde-se, até certo ponto, com essa desorganização,
comprometendo a celeridade e gerando questões evitáveis (= pontos
que geram polêmica e atraem atenção dos magistrados) que subtraem indevidamente
a atenção do operador do direito.
Nessa dimensão, a preocupação em se preservar a forma sistemática
das normas processuais, longe de ser meramente acadêmica, atende, sobretudo,
a uma necessidade de caráter pragmático: obter-se um grau mais intenso
de funcionalidade.
Sem prejuízo da manutenção e do aperfeiçoamento dos institutos introduzidos
no sistema pelas reformas ocorridas nos anos de 1.992 até hoje,
4 É o que explica, com a clareza que lhe é peculiar, BARBOSA MOREIRA: “Querer que o
processo seja efetivo é querer que desempenhe com eficiência o papel que lhe compete na economia
do ordenamento jurídico. Visto que esse papel é instrumental em relação ao direito substantivo,
também se costuma falar da instrumentalidade do processo. Uma noção conecta-se com a outra
e por assim dizer a implica. Qualquer instrumento será bom na medida em que sirva de modo
prestimoso à consecução dos fins da obra a que se ordena; em outras palavras, na medida em que
seja efetivo. Vale dizer: será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente de realização do
direito material” (Por um processo socialmente efetivo. Revista de Processo. São Paulo, v.27,
n.105, p. 183-190, jan./mar. 2002, p. 181).
criou-se um Código novo, que não significa, todavia, uma ruptura com o passado,
mas um passo à frente. Assim, além de conservados os institutos cujos
resultados foram positivos, incluíram-se no sistema outros tantos que visam a
atribuir-lhe alto grau de eficiência.
Há mudanças necessárias, porque reclamadas pela comunidade jurídica,
e correspondentes a queixas recorrentes dos jurisdicionados e dos operadores
do Direito, ouvidas em todo país. Na elaboração deste Anteprojeto
de Código de Processo Civil, essa foi uma das linhas principais de trabalho:
resolver problemas. Deixar de ver o processo como teoria descomprometida
de sua natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por
meio do qual se realizam valores constitucionais.5
Assim, e por isso, um dos métodos de trabalho da Comissão foi o de
resolver problemas, sobre cuja existência há praticamente unanimidade na
comunidade jurídica. Isso ocorreu, por exemplo, no que diz respeito à complexidade
do sistema recursal existente na lei revogada. Se o sistema recursal,
que havia no Código revogado em sua versão originária, era consideravelmente
mais simples que o anterior, depois das sucessivas reformas pontuais
que ocorreram, se tornou, inegavelmente, muito mais complexo.
Não se deixou de lado, é claro, a necessidade de se construir um Código
coerente e harmônico interna corporis, mas não se cultivou a obsessão em
elaborar uma obra magistral, estética e tecnicamente perfeita, em detrimento
de sua funcionalidade.
De fato, essa é uma preocupação presente, mas que já não ocupa o
primeiro lugar na postura intelectual do processualista contemporâneo.
A coerência substancial há de ser vista como objetivo fundamental,
todavia, e mantida em termos absolutos, no que tange à Constituição Federal
da República. Afinal, é na lei ordinária e em outras normas de escalão inferior
que se explicita a promessa de realização dos valores encampados pelos princípios
constitucionais.
5 SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, em texto emblemático sobre a nova ordem trazida
pela Constituição Federal de 1988, disse, acertadamente, que, apesar de suas vicissitudes,
“nenhum texto constitucional valorizou tanto a ‘Justiça’, tomada aqui a palavra não no seu
conceito clássico de ‘vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu’, mas como conjunto
de instituições voltadas para a realização da paz social” (O aprimoramento do processo civil
como garantia da cidadania. In: FIGUEIREDO TEIXEIRA, Sálvio. As garantias do cidadão
na Justiça. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 79-92, p. 80).
O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo
mais célere, mais justo,6 porque mais rente às necessidades sociais7 e muito
menos complexo.8
A simplificação do sistema, além de proporcionar-lhe coesão mais visível,
permite ao juiz centrar sua atenção, de modo mais intenso, no mérito
da causa.
Com evidente redução da complexidade inerente ao processo de criação
de um novo Código de Processo Civil, poder-se-ia dizer que os trabalhos
da Comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer
expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição
Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma
mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo
problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo,
o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo
considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente
alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau
de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.
Esta Exposição de Motivos obedece à ordem dos objetivos acima
alistados.
6 Atentando para a advertência, acertada, de que não o processo, além de produzir um resultado
justo, precisa ser justo em si mesmo, e portanto, na sua realização, devem ser observados
aqueles standards previstos na Constituição Federal, que constituem desdobramento da garantia
do due process of law (DINAMARCO, Cândido. Instituições de direito processual civil, v.
1. 6.a ed. São Paulo: Malheiros, 2009).
7 Lembrando, com BARBOSA MOREIRA, que “não se promove uma sociedade mais justa,
ao menos primariamente, por obra do aparelho judicial. É todo o edifício, desde as fundações, que
para tanto precisa ser revisto e reformado. Pelo prisma jurídico, a tarefa básica inscreve-se no plano
do direito material” (Por um processo socialmente efetivo, p. 181)
.
8 Trata-se, portanto, de mais um passo decisivo para afastar os obstáculos para o acesso à
Justiça, a que comumente se alude, isto é, a duração do processo, seu alto custo e a excessiva
formalidade.
1) A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em
relação à Constituição Federal da República9 fez com que se incluíssem no
Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual.
Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios
constitucionais, como, por exemplo, as que prevêem um procedimento,
com contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera
da pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou “às avessas”10.
Está expressamente formulada a regra no sentido de que o fato de o
juiz estar diante de matéria de ordem pública não dispensa a obediência ao
princípio do contraditório.
Como regra, o depósito da quantia relativa às multas, cuja função
processual seja levar ao cumprimento da obrigação in natura, ou da ordem
judicial, deve ser feito logo que estas incidem.
Não podem, todavia, ser levantadas, a não ser quando haja trânsito
em julgado ou quando esteja pendente agravo de decisão denegatória de seguimento
a recurso especial ou extraordinário.
Trata-se de uma forma de tornar o processo mais eficiente e efetivo,
o que significa, indubitavelmente, aproximá-lo da Constituição Federal, em
cujas entrelinhas se lê que o processo deve assegurar o cumprimento da lei
material.
9 Hoje, costuma-se dizer que o processo civil constitucionalizou-se. Fala-se em modelo
constitucional do processo, expressão inspirada na obra de Italo Andolina e Giuseppe Vignera,
Il modello costituzionale del processo civile italiano: corso di lezioni (Turim, Giapicchelli,
1990). O processo há de ser examinado, estudado e compreendido à luz da Constituição e de
foa a dar o maior rendimento possível aos seus princípios fundamentais.
10 O Novo CPC prevê expressamente que, antecedida de contraditório e produção de provas,
haja decisão sobre a desconsideração da pessoa jurídica, com o redirecionamento da
ação, na dimensão de sua patrimonialidade, e também sobre a consideração dita inversa, nos
casos em que se abusa da sociedade, para usá-la indevidamente com o fito de camuflar o
patrimônio pessoal do sócio. Essa alteração está de acordo com o pensamento que, entre
nós, ganhou projeção ímpar na obra de J. LAMARTINE CORRÊA DE OLIVEIRA. Com
efeito, há três décadas, o brilhante civilista já advertia ser essencial o predomínio da realidade
sobre a aparência, quando “em verdade [é] uma outra pessoa que está a agir, utilizando a pessoa
jurídica como escudo, e se é essa utilização da pessoa jurídica, fora de sua função, que está tornando
possível o resultado contrário à lei, ao contrato, ou às coordenadas axiológicas” (A dupla crise da
pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 613).
Prestigiando o princípio constitucional da publicidade das decisões,
previu-se a regra inafastável de que à data de julgamento de todo recurso deve-
se dar publicidade (= todos os recursos devem constar em pauta), para
que as partes tenham oportunidade de tomar providências que entendam necessárias
ou, pura e simplesmente, possam assistir ao julgamento.
Levou-se em conta o princípio da razoável duração do processo.11 Afinal
a ausência de celeridade, sob certo ângulo,12 é ausência de justiça. A simplificação
do sistema recursal, de que trataremos separadamente, leva a um
processo mais ágil.
Criou-se o incidente de julgamento conjunto de demandas repetitivas,
a que adiante se fará referência.
Por enquanto, é oportuno ressaltar que levam a um processo mais
célere as medidas cujo objetivo seja o julgamento conjunto de demandas que
gravitam em torno da mesma questão de direito, por dois ângulos: a) o relativo
àqueles processos, em si mesmos considerados, que, serão decididos conjuntamente;
b) no que concerne à atenuação do excesso de carga de trabalho
do Poder Judiciário – já que o tempo usado para decidir aqueles processos
poderá ser mais eficazmente aproveitado em todos os outros, em cujo trâmite
serão evidentemente menores os ditos “tempos mortos” (= períodos em que
nada acontece no processo).
11 Que, antes de ser expressamente incorporado à Constituição Federal em vigor (art. 50,
inciso LXXVIII), já havia sido contemplado em outros instrumentos normativos estrangeiros
(veja-se, por exemplo, o art. 111, da Constituição da Itália) e convenções internacionais
(Convenção Européia e Pacto de San Jose da Costa Rica). Trata-se, portanto, de tendência
mundial.
12 Afinal, a celeridade não é um valor que deva ser perseguido a qualquer custo. “Para muita
gente, na matéria, a rapidez constitui o valor por excelência, quiçá o único. Seria fácil invocar aqui
um rol de citações de autores famosos, apostados em estigmatizar a morosidade processual. Não
deixam de ter razão, sem que isso implique – nem mesmo, quero crer, no pensamento desses próprios
autores – hierarquização rígida que não reconheça como imprescindível, aqui e ali, ceder o
passo a outros valores. Se uma justiça lenta demais é decerto uma justiça má, daí não se segue que
uma justiça muito rápida seja necessariamente uma justiça boa. O que todos devemos querer é que
a prestação jurisdicional venha ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la,
muito bem: não, contudo, a qualquer preço” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O futuro da
justiça: alguns mitos. Revista de Processo, v. 102, p. 228-237, abr.-jun. 2001, p. 232).
Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes
e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a
que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-
se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas
de tribunais diversos.
Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranqüilidade e, por vezes,
verdadeira perplexidade na sociedade.
Prestigiou-se, seguindo-se direção já abertamente seguida pelo ordenamento
jurídico brasileiro, expressado na criação da Súmula Vinculante
do Supremo Tribunal Federal (STF) e do regime de julgamento conjunto de
recursos especiais e extraordinários repetitivos (que foi mantido e aperfeiçoado)
tendência a criar estímulos para que a jurisprudência se uniformize, à
luz do que venham a decidir tribunais superiores e até de segundo grau, e se
estabilize.
Essa é a função e a razão de ser dos tribunais superiores: proferir decisões
que moldem o ordenamento jurídico, objetivamente considerado. A
função paradigmática que devem desempenhar é inerente ao sistema.
Por isso é que esses princípios foram expressamente formulados. Veja-
se, por exemplo, o que diz o novo Código, no Livro IV: “A jurisprudência
do STF e dos Tribunais Superiores deve nortear as decisões de todos os Tribunais
e Juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da
legalidade e da isonomia”.
Evidentemente, porém, para que tenha eficácia a recomendação no
sentido de que seja a jurisprudência do STF e dos Tribunais superiores, efetivamente,
norte para os demais órgãos integrantes do Poder Judiciário, é
necessário que aqueles Tribunais mantenham jurisprudência razoavelmente
estável.
A segurança jurídica fica comprometida com a brusca e integral alteração
do entendimento dos tribunais sobre questões de direito.13
13 Os ingleses dizem que os jurisdicionados não podem ser tratados “como cães, que só
descobrem que algo é proibido quando o bastão toca seus focinhos” (BENTHAM citado por
R. C. CAENEGEM, Judges, Legislators & Professors, p. 161).
Encampou-se, por isso, expressamente princípio no sentido de que,
uma vez firmada jurisprudência em certo sentido, esta deve, como norma, ser
mantida, salvo se houver relevantes razões recomendando sua alteração.
Trata-se, na verdade, de um outro viés do princípio da segurança
jurídica,14 que recomendaria que a jurisprudência, uma vez pacificada ou sumulada,
tendesse a ser mais estável.15
De fato, a alteração do entendimento a respeito de uma tese jurídica
ou do sentido de um texto de lei pode levar ao legítimo desejo de que as situações
anteriormente decididas, com base no entendimento superado, sejam
redecididas à luz da nova compreensão. Isto porque a alteração da jurisprudência,
diferentemente da alteração da lei, produz efeitos equivalentes aos ex
tunc. Desde que, é claro, não haja regra em sentido inverso.
Diz, expressa e explicitamente, o novo Código que: “A mudança
de entendimento sedimentado observará a necessidade de fundamentação
adequada e específica, considerando o imperativo de estabilidade das relações
jurídicas”;
14 “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente
a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança
jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito. Esses
dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança – andam estreitamente associados,
a ponto de alguns autores considerarem o princípio da confiança como um subprincípio
ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança
jurídica está conexionada com elementos objetivos da ordem jurídica – garantia de
estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a proteção
da confiança se prende mais com os componentes subjetivos da segurança, designadamente
a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos dos actos”. (JOSÉ
JOAQUIM GOMES CANOTILHO. Direito constitucional e teoria da constituição. Almedina,
Coimbra, 2000, p. 256).
15 Os alemães usam a expressão princípio da “proteção”, acima referida por Canotilho.
(ROBERT ALEXY e RALF DREIER, Precedent in the Federal Republic of Germany, in Interpreting
Precedents, A Comparative Study, Coordenação NEIL MACCORMICK e ROBERT
SUMMERS, Dartmouth Publishing Company, p. 19).
E, ainda, com o objetivo de prestigiar a segurança jurídica, formulou-
se o seguinte princípio: “Na hipótese de alteração da jurisprudência dominante
do STF e dos Tribunais superiores, ou oriunda de julgamentos de casos repetitivos,
pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança
jurídica” (grifos nossos).
Esse princípio tem relevantes consequências práticas, como, por
exemplo, a não rescindibilidade de sentenças transitadas em julgado baseadas
na orientação abandonada pelo Tribunal. Também em nome da segurança jurídica,
reduziu-se para um ano, como regra geral, o prazo decadencial dentro
do qual pode ser proposta a ação rescisória.
Mas talvez as alterações mais expressivas do sistema processual ligadas
ao objetivo de harmonizá-lo com o espírito da Constituição Federal, sejam as
que dizem respeito a regras que induzem à uniformidade e à estabilidade da
jurisprudência.
O novo Código prestigia o princípio da segurança jurídica, obviamente
de índole constitucional, pois que se hospeda nas dobras do Estado
Democrático de Direito e visa a proteger e a preservar as justas expectativas
das pessoas.
Todas as normas jurídicas devem tender a dar efetividade às garantias
constitucionais, tornando “segura” a vida dos jurisdicionados, de modo a que
estes sejam poupados de “surpresas”, podendo sempre prever, em alto grau, as
consequências jurídicas de sua conduta.
Se, por um lado, o princípio do livre convencimento motivado é garantia
de julgamentos independentes e justos, e neste sentido mereceu ser
prestigiado pelo novo Código, por outro, compreendido em seu mais estendido
alcance, acaba por conduzir a distorções do princípio da legalidade e à
própria idéia, antes mencionada, de Estado Democrático de Direito. A dispersão
excessiva da jurisprudência produz intranqüilidade social e descrédito
do Poder Judiciário.
Se todos têm que agir em conformidade com a lei, ter-se-ia, ipso facto,
respeitada a isonomia. Essa relação de causalidade, todavia, fica comprometida
como decorrência do desvirtuamento da liberdade que tem o juiz de decidir
com base em seu entendimento sobre o sentido real da norma.
A tendência à diminuição16 do número17 de recursos que devem ser
apreciados pelos Tribunais de segundo grau e superiores é resultado inexorável
da jurisprudência mais uniforme e estável.
Proporcionar legislativamente melhores condições para operacionalizar
formas de uniformização do entendimento dos Tribunais brasileiros
acerca de teses jurídicas é concretizar, na vida da sociedade brasileira, o princípio
constitucional da isonomia.
Criaram-se figuras, no novo CPC, para evitar a dispersão18 excessiva
da jurisprudência. Com isso, haverá condições de se atenuar o assober-
16 Comentando os principais vetores da reforma sofrida no processo civil alemão na última
década, BARBOSA MOREIRA alude ao problema causado pelo excesso de recursos no
processo civil: “Pôr na primeira instância o centro de gravidade do processo é diretriz política
muito prestigiada em tempos modernos, e numerosas iniciativas reformadoras levam-na em conta.
A rigor, o ideal seria que os litígios fossem resolvidos em termos finais mediante um único julgamento.
Razões conhecidas induzem as leis processuais a abrirem a porta a reexames. A multiplicação
desmedida dos meios tendentes a propiciá-los, entretanto, acarreta o prolongamento indesejável do
feito, aumenta-lhe o custo, favorece a chicana e, em muitos casos, gera para os tribunais superiores
excessiva carga de trabalho. Convém, pois, envidar esforços para que as partes se dêem por satisfeitas
com a sentença e se abstenham de impugná-la” (Breve notícia sobre a reforma do processo
civil alemão. Revista de Processo. São Paulo, v. 28, n. 111, p. 103-112, jul./set. 2003, p. 105).
17 O número de recursos previstos na legislação processual civil é objeto de reflexão e crítica, há
muitos anos, na doutrina brasileira. EGAS MONIZ DE ARAGÃO, por exemplo, em emblemático
trabalho sobre o tema, já indagou de forma contundente: “há demasiados recursos no ordenamento
jurídico brasileiro? Deve-se restringir seu cabimento? São eles responsáveis pela morosidade no funcionamento
do Poder Judiciário?” Respondendo tais indagações, o autor conclui que há três recursos que
“atendem aos interesses da brevidade e certeza, interesses que devem ser ponderados – como na fórmula
da composição dos medicamentos – para dar adequado remédio às necessidades do processo judicial”: a
apelação, o agravo e o extraordinário, isto é, recurso especial e recurso extraordinário (Demasiados
recursos?. Revista de Processo. São Paulo, v. 31, n. 136, p. 9-31, jun. 2006, p. 18)
.
18 A preocupação com essa possibilidade não é recente. ALFREDO BUZAID já aludia a
ela, advertindo que há uma grande diferença entre as decisões adaptadas ao contexto histórico
em que proferidas e aquelas que prestigiam interpretações contraditórias da mesma
disposição legal, apesar de iguais as situações concretas em que proferidas. Nesse sentido:
“Na verdade, não repugna ao jurista que os tribunais, num louvável esforço de adaptação, sujeitem
a mesma regra a entendimento diverso, desde que se alterem as condições econômicas, políticas e
sociais; mas repugna-lhe que sobre a mesma regra jurídica dêem os tribunais interpretação diversa
e até contraditória, quando as condições em que ela foi editada continuam as mesmas. O dissídio
resultante de tal exegese debilita a autoridade do Poder Judiciário, ao mesmo passo que causa profunda
decepção às partes que postulam perante os tribunais” (Uniformização de Jurisprudência.
Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, 34/139, jul. 1985).
bamento de trabalho no Poder Judiciário, sem comprometer a qualidade da
prestação jurisdicional.
Dentre esses instrumentos, está a complementação e o reforço da eficiência
do regime de julgamento de recursos repetitivos, que agora abrange
a possibilidade de suspensão do procedimento das demais ações, tanto no
juízo de primeiro grau, quanto dos demais recursos extraordinários ou especiais,
que estejam tramitando nos tribunais superiores, aguardando julgamento,
desatreladamente dos afetados.
Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão,19
o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na
identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam
ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta.20
O incidente de resolução de demandas repetitivas é admissível quando
identificada, em primeiro grau, controvérsia com potencial de gerar multiplicação
expressiva de demandas e o correlato risco da coexistência de decisões conflitantes.
É instaurado perante o Tribunal local, por iniciativa do juiz, do MP,
das partes, da Defensoria Pública ou pelo próprio Relator. O juízo de admissibilidade
e de mérito caberão ao tribunal pleno ou ao órgão especial, onde
19 No direito alemão a figura se chama Musterverfahren e gera decisão que serve de modelo
(= Muster) para a resolução de uma quantidade expressiva de processos em que as partes
estejam na mesma situação, não se tratando necessariamente, do mesmo autor nem do mesmo
réu. (RALF-THOMAS WITTMANN. Il “contenzioso di massa” in Germania, in GIORGETTI
ALESSANDRO e VALERIO VALLEFUOCO, Il Contenzioso di massa in Italia, in
Europa e nel mondo, Milão, Giuffrè, 2008, p. 178).
20 Tais medidas refletem, sem dúvida, a tendência de coletivização do processo, assim explicada
por RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO: “Desde o último quartel do século passado,
foi tomando vulto o fenômeno da ‘coletivização’ dos conflitos, à medida que, paralelamente,
se foi reconhecendo a inaptidão do processo civil clássico para instrumentalizar essas megacontrovérsias,
próprias de uma conflitiva sociedade de massas. Isso explica a proliferação de ações de
cunho coletivo, tanto na Constituição Federal (arts. 5.o, XXI; LXX, ‘b’; LXXIII; 129, III) como
na legislação processual extravagante, empolgando segmentos sociais de largo espectro: consumidores,
infância e juventude; deficientes físicos; investidores no mercado de capitais; idosos; torcedores
de modalidades desportivas, etc. Logo se tornou evidente (e premente) a necessidade da oferta de
novos instrumentos capazes de recepcionar esses conflitos assim potencializado, seja em função do
número expressivo (ou mesmo indeterminado) dos sujeitos concernentes, seja em função da indivisibilidade
do objeto litigioso, que o torna insuscetível de partição e fruição por um titular exclusivo”
(A resolução de conflitos e a função judicial no Contemporâneo Estado de Direito. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009, p. 379-380).
houver, e a extensão da eficácia da decisão acerca da tese jurídica limita-se
à área de competência territorial do tribunal, salvo decisão em contrário do
STF ou dos Tribunais superiores, pleiteada pelas partes, interessados, MP ou
Defensoria Pública. Há a possibilidade de intervenção de amici curiae.
O incidente deve ser julgado no prazo de seis meses, tendo preferência sobre
os demais feitos, salvo os que envolvam réu preso ou pedido de habeas corpus.
O recurso especial e o recurso extraordinário, eventualmente interpostos
da decisão do incidente, têm efeito suspensivo e se considera presumida
a repercussão geral, de questão constitucional eventualmente discutida.
Enfim, não observada a tese firmada, caberá reclamação ao tribunal
competente.
As hipóteses de cabimento dos embargos de divergência agora se baseiam
exclusivamente na existência de teses contrapostas, não importando o
veículo que as tenha levado ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal
de Justiça. Assim, são possíveis de confronto teses contidas em recursos
e ações, sejam as decisões de mérito ou relativas ao juízo de admissibilidade.
Está-se, aqui, diante de poderoso instrumento, agora tornado ainda
mais eficiente, cuja finalidade é a de uniformizar a jurisprudência dos Tribunais
superiores, interna corporis.
Sem que a jurisprudência desses Tribunais esteja internamente uniformizada,
é posto abaixo o edifício cuja base é o respeito aos precedentes dos
Tribunais superiores.
2) Pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no
contexto social em que produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à
possibilidade de as partes porem fim ao conflito pela via da mediação ou da
conciliação.21 Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de
modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz.
21 A criação de condições para realização da transação é uma das tendências observadas no
movimento de reforma que inspirou o processo civil alemão. Com efeito, explica BARBOSA
MOREIRA que “já anteriormente, por força de uma lei de 1999, os órgãos legislativos dos ‘Lander’
tinham sido autorizados, sob determinadas circunstâncias, a exigirem, como requisito de admissibilidade
da ação, que se realizasse prévia tentativa de conciliação extrajudicial. Doravante, nos termos do
art. 278, deve o tribunal, em princípio, levar a efeito a tentativa, ordenando o comparecimento pessoal
de ambas as partes. O órgão judicial discutirá com elas a situação, poderá formular-lhes perguntas e
fazer-lhes observações. Os litigantes serão ouvidos pessoalmente e terá cada qual a oportunidade de
expor sua versão do litígio…” (Breves notícias sobre a reforma do processo civil alemão, p. 106).
Como regra, deve realizar-se audiência em que, ainda antes de ser
apresentada contestação, se tentará fazer com que autor e réu cheguem a
acordo. Dessa audiência, poderão participar conciliador e mediador e o réu
deve comparecer, sob pena de se qualificar sua ausência injustificada como
ato atentatório à dignidade da justiça. Não se chegando a acordo, terá início o
prazo para a contestação.
Por outro lado, e ainda levando em conta a qualidade da satisfação das
partes com a solução dada ao litígio, previu-se a possibilidade da presença do
amicus curiae, cuja manifestação, com certeza tem aptidão de proporcionar
ao juiz condições de proferir decisão mais próxima às reais necessidades das
partes e mais rente à realidade do país.22
Criou-se regra no sentido de que a intervenção pode ser pleiteada
pelo amicus curiae ou solicitada de ofício, como decorrência das peculiaridades
da causa, em todos os graus de jurisdição.
Entendeu-se que os requisitos que impõem a manifestação do amicus
curiae no processo, se existem, estarã