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Publicada em 2 de julho de 2016

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Empresas administradores de Cartões de Crédito

A SÚMULA Nº 283, DO STJ – Breves notas

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o escopo de subsidiar estudos acerca da polêmica discussão instalada sobre a natureza jurídica das empresas administradoras de cartões de crédito, equiparadas às instituições financeiras, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça lançado na Súmula nº 283. Diz o enunciado:

“As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura”.

1. NOÇÃO DO SISTEMA DE CARTÃO DE CRÉDITO

Em 1950, nasceu o primeiro cartão de crédito, denominado de Diners Club Card, que contemplava cerca de duzentas pessoas, inicialmente aceito em lugar de dinheiro ou cheque em vinte e sete restaurantes. Já no ano seguinte, o número de usuários crescia para mais de 42.000 consumidores, e mais de 330 restaurantes, hotéis e estabelecimentos varejistas credenciados, movimentando mais de um milhão de dólares[1].

O Diners chegou ao Brasil em 1956.

A partir de 1958, os bancos, atentos a esse promissor mercado, iniciaram sua atuação nesse nicho de operações de crédito, associando-se às empresas emissoras de cartões de crédito ou emitindo-os eles próprios (bank credit card), aperfeiçoando o sistema para evitarem prejuízos.

Ao advento do Plano Real (1994), os portadores de cartões de crédito atingiam mais de onze milhões de usuários e, em 1999, os portadores passavam dos vinte e três milhões. Hoje, o cartão de crédito se tornou uma espécie de adereço do cidadão.

Na dicção de GERSON LUIZ CARLOS BRANCO[2]:

“O nascimento do cartão de crédito tem como causa fatores econômicos e sociais, que igualmente deram origem à moeda, à letra de câmbio e ao cheque: as necessidades ligadas à troca, ao consumo de bens, à circulação e acumulação de riquezas.

… o nascimento do cartão de crédito tem como causa fatores econômicos e sociais, que igualmente deram origem à moeda, à letra de câmbio e ao cheque: as necessidades ligadas à troca, ao consumo de bens, à circulação e acumulação de riquezas”.

EGBERTO LACERDA TEIXEIRA[3], nesse mister, comentava:

“Primeiro, foi a troca – ou escambo – de mercadorias. Depois, a mercadoria-moeda (gado, chá, sal, tabaco, etc.). Mais tarde, os metais preciosos e, finalmente, a moeda propriamente dita é adotada como intermediária das trocas e denominador comum de valores econômicos”.

MARIA HELENA DINIZ[4], com propriedade, lembra:

“A utilização de cartões de crédito veio auxiliar a realização de operações comerciais, como a compra e venda e a prestação de serviços, por representar um meio seguro de condução da moeda, uma garantia nos casos de necessidade e um fator de crédito, simplificando muito as transações, facilitando as aquisições de bens e serviços por parte de seu titular, democratizando o uso do crédito, a curto ou médio prazo, evitando o imediato desembolso do dinheiro por permitir a utilização de financiamento”.

A acepção de ARAMY DORNELLES DA LUZ[5] em muito contribui para o entendimento do sistema. Assim leciona o ilustre jurista:

“O mais importante dos cartões de crédito, único a justificar estudo específico, e que constitui um instituto jurídico, é o cartão acreditivo que forma um sistema que em bases mínimas já nasce pela criação de relações trilaterais. Se outra parte ou outras às três originais se juntar, esta(s) excepcionará(ão) o negócio jurídico específico do sistema de credit cards, será(ão) aderente(s) ao complexo, realizará(ão) negócio suplementar ou negócio autônomo aderente”. (DESTACOU-SE/GRIFOU-SE)

Importante salientar, como ensina o Prof. ARAMY, o verdadeiro cartão de crédito nasce, no mínimo, com três figurantes: a) o emissor; b) o titular ou aderente do cartão; e, c) o fornecedor. Nada impede que se adicionem outras relações a essas, especialmente, pela importância e a relação de parceria com instituição internacional de cartões de crédito, a exemplo do tipo VISA, MASTERCARD, CREDICARD, etc., também, pela extensão de seu uso, o serviço terceirizado de cobrança.

Há se ressaltar, ainda, quando os bancos interferem por intermédio de uma empresa administradora, a relação que contava com três sujeitos, passa a ter quatro, aumentando ainda mais a complexidade do sistema contratual. Como as atividades do mútuo e do crédito em geral são privativas das instituições financeiras, não podem exercê-las as administradoras de cartões, pelo que apelam aos bancos, sem excluir outras instituições financeiras, de forma associada à concessão desses serviços.

Portanto, o cartão de crédito é um negócio jurídico complexo, do qual participam no mínimo três partes, haja vista que se origina de contratos distintos e que possuem a mesma finalidade.

Trata-se de contrato plurilateral, contando com a intervenção de partes distintas, com obrigações diversas, porém com interesses e finalidade em comum.

É contrato de crédito, eis que coloca à disposição do titular um crédito representado em moeda corrente.

É contrato de consumo, uma vez que a administradora de cartão de crédito é uma fornecedora e prestadora de serviços e os titulares dos cartões de crédito são destinatários finais.

Genuíno contrato atípico, porque ainda não foi regulamentado pelo legislador, regendo-se pelos costumes, pela doutrina, pela jurisprudência e pelas cláusulas contratuais convencionadas, é contrato de adesão, pois o titular (aderente/usuário/consumidor/portador) aceita em bloco as cláusulas contratuais previamente e unilateralmente formalizados pela administradora de cartão de crédito.

No mais, interessa ao presente estudo, em especial, compreender a figura da administradora de cartão de crédito no sistema, na voz do ensinamento magistral de FRAN MARTINS[6]:

“Administradora de cartão de crédito é a pessoa jurídica (dificilmente poderia tal empresa ser constituída por uma pessoa física) que se organiza com a finalidade de fornecer a pessoas selecionadas, segundo o critério da empresa, cartões que as credenciam a adquirir bens ou serviços de uma série de estabelecimentos (chamados estabelecimentos filiados aos sistema de cartões) que mantém contrato com o organismo emissor”.

Destarte, a relação jurídica entre o titular do cartão de crédito e a administradora ocorre através de um contrato de adesão, cabendo à administradora o processamento das transações e sua liquidação junto aos fornecedores de bens ou serviços credenciados e ao titular (aderente/usuário/consumidor) o pagamento das importâncias devidas à administradora.

Por sua vez, a relação jurídica entre administradora e o fornecedor se origina através de um contrato de filiação, que credencia o estabelecimento comercial a aceitar os cartões daquela administradora como forma de pagamento da venda de mercadorias e da prestação de serviços. Trata-se, pois, de mera relação comercial.

Assim, a participação da instituição financeira no sistema de cartão de crédito se dá quando o titular (consumidor) efetua saque em moeda corrente e parcela o pagamento do débito correspondente.

Tal, ocorre com a outorga pelo consumidor à administradora de uma cláusula-mandato, concedendo poderes à emissora do cartão de crédito para, em seu nome, em nome do usuário do cartão, negociar e obter crédito junto às instituições financeiras no Brasil e no Exterior, constituindo-se, a administradora, fiadora e principal pagadora do financiamento obtido em nome e por conta do consumidor.

Na verdade, a indigitada cláusula de mandato tem sido espelho de desequilíbrio contratual, em face da cobrança de juros altíssimos no parcelamento dos débitos das compras efetuadas pelos usuários, representado pela onerosidade excessiva, caracterizando enriquecimento sem causa em favor das administradoras.

Neste particular, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, reconhecendo a abusividade existente na referida cláusula-mandato, no Despacho nº 79, enquadrou-a no artigo 51, VIII, do Código de Defesa do Consumidor[7], sob o fundamento de que inexistem, na cláusula, limites quanto às taxas de juros e encargos de responsabilidade do consumidor. Como não há qualquer informação sobre o valor da remuneração da administradora do cartão, declarou-se nula de pleno direito a indigitada cláusula.

Ocorre que a jurisprudência (in RT, 617:115) interpretava:

“É válida a cláusula de mandato nos contratos de adesão referentes a cartões de crédito que estabelece autorização para a emissão de notas promissórias em favor do mandatário pelas despesas contabilizadas pelo usuário”.

Doravante, a cláusula-mandato é vedada pela Súmula 60, do Superior Tribunal de Justiça, assim enunciado:

“É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”.

2. ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO – Instituição financeira ?

Ficando entendido o papel das administradoras no sistema de cartões de crédito, necessário se faz o enfrentamento da matéria de fundo a que deu ensejo a origem da referida súmula.

Sob o ponto de vista legal e sem ter a pretensão de esgotar o assunto, à luz da análise do material (fontes) que respaldou a decisão sumulada (REsp 450453-RS, j. 25.06.2003 DJ 25.02.2004, p. 93; AgRg no REsp 518639-RS, j. 29.10.2003, DJ 01.12.2003, p. 353, in RNDJ, 52:96; REsp 337332, j. 02.09.2003, DJ 24.11.2003, p. 309; REsp 441932-RS, j. 12.08.2003, DJ. 13.10.2003, p. 360, in RJADCOAS 53:55; AgRg no AG 481127-RS, j. 12.08.2003, DJ 22.09.2003, p. 336; AgRg no AG 467904-SP, j. 19.08.2003, DJ 22.09.2003, p. 335), passa-se a demonstrar porque que as administradoras de cartões de crédito não são instituições financeiras e, em conseqüência, se sujeitam às normas de ordem pública, consubstanciadas no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), bem como às regras que combatem a usura, impostas à sociedade pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) e Lei de Economia Popular (Lei nº 1.521/51).

A Lei nº 4.595, de 31.12.1964 (Lei da Reforma Bancária), que dá a caracterização e a subordinação das instituições financeiras, destaca:

“Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.

Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.

§ 1º. Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.

Art. 25. As instituições financeiras privadas, exceto as cooperativas de crédito, constituir-se-ão unicamente sob a forma de sociedade anônima, devendo a totalidade de seu capital com direito a voto ser representada por ações nominativas. (Redação dada pela Lei nº 5.710, de 07/10/71)”.

(DESTACOU-SE)

Por sua vez, a Lei nº 4.728, de 14.07.1965 (Lei do Mercado de Capitais) traça a seguinte disposição:

“Art. 1º. Os mercados financeiro e de capitais serão disciplinados pelo Conselho Monetário Nacional e fiscalizados pelo Banco Central da República do Brasil.

Art. 3º. Compete ao Banco Central:

III – autorizar o funcionamento e fiscalizar as operações das instituições financeiras, sociedades ou firmas individuais que tenham por objeto a subscrição para revenda e a distribuição de títulos ou valôres mobiliários;

Art. 11. Depende de prévia autorização do Banco Central, o funcionamento de sociedades ou firmas individuais que tenham por objeto a subscrição para revenda e a distribuição no mercado de títulos ou valôres mobiliários.

Parágrafo único. Depende igualmente de aprovação pelo Banco Central:

a) a modificação de contratos ou estatutos sociais das sociedades referidas neste artigo;

b) a investidura de administradores, responsáveis ou prepostos das sociedades e emprêsas referidas neste artigo.

Art. 12. Depende de prévio registro no Banco Central o funcionamento de sociedades que tenham por objeto qualquer atividade de intermediação na distribuição, ou colocação no mercado, de títulos ou valôres mobiliários.

Art. 13. A autorização para funcionar e o registro referidos nos artigos 11 e 12 observarão o disposto no § 1º do art. 10 da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e somente poderão ser cassados nos casos previstos em normas gerais aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional”.

(DESTACOU-SE)

Com algumas modificações, a conceituação de instituição financeira é encontradiço na Lei nº 7.492, de 16.06.1986 (Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional), que dispõe:

“Art. 1º. Considera-se instituição financeira, para efeito desta Lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários”.

Há se destacar, com muita atenção, o disposto no parágrafo único do citado dispositivo:

“Equipara-se à instituição financeira:

I – a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;

II – a pessoa natural que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual”.

Como se vê, ao conceituar o que venha a ser instituição financeira, as normas explicativas sob comentário consideraram basicamente sua atividade típica: captação, intermediação ou aplicação de recursos. Captar significa atrair e aglutinar capitais, objetivando sua aplicação futura. Intermediar vem a ser transferir ou repassar tais recursos (de uma instituição para outra) e, aplicar é investir os recursos captados, mirando alguma forma de remuneração[8].

Depreende-se dos citados normativos que cabe ao Banco Central do Brasil – BACEN a supervisão do Sistema Financeiro Nacional, fazendo cumprir as diretrizes fixadas pelo Conselho Financeiro Nacional e as disposições legais que disciplinam o Sistema, baixando os atos normativos regulamentadores (resoluções, circulares, etc.), fiscalizando a atividade das instituições financeiras, concedendo a estas autorização para funcionar ou, sendo o caso, nelas intervindo ou até promovendo sua liquidação.

Destarte, compactuamos, desde logo, com a lição do Mestre FRAN MARTINS, alhures citada, de que, dificilmente, uma pessoa física possa integrar o sistema de cartão de crédito, figurando como administradora.

Verifica-se, no AgRg no AG 481.127-RS, da lavra do eminente Ministro ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, curiosamente a primeira decisão sobre a matéria motivadora da Súmula, ocorrida no âmbito do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo como Agravado: CARTÃO UNIBANCO LTDA., apesar de não ser sociedade anônima, foi equiparada a instituição financeira, por unanimidade, apesar do disposto no artigo 25, da Lei nº 4.595/64 (Lei da Reforma Bancária), norma imperativa e de ordem pública, que disciplina:

“As instituições financeiras privadas, exceto as cooperativas de crédito, constituir-se-ão unicamente sob a forma de sociedade anônima, devendo a totalidade de seu capital com direito a voto ser representada por ações nominativas”.

Data maxima venia, como se vê, trata-se de equívoco inaceitável, uma vez que a empresa CARTÃO UNIBANCO LTDA. é sociedade por quotas de responsabilidade limitada, não preenchendo os requisitos necessários à caracterização de instituição financeira (art. 25, da Lei nº 4.595/64), cujos efeitos do julgado, certamente, levaram prejuízos irreparáveis ao consumidor.

E não são diferentes os equívocos insertos nos demais julgados (fontes) do enunciado sob comento. Veja-se, por exemplo, o caso objeto do AgRg, no REsp 518639-RS, da relatoria da eminente Ministra NANCY ANDRIGHI, em que foi Agravado: LOJAS RENNER S/A., quando, é sabido, sua atividade principal é a venda de confecções e utilidades domésticas, não podendo ser equipara a instituição financeira, por força do que dispõe o artigo 17 e 18, § 1º, da Lei nº 4.595/64.

Ocorre que, por simples leitura da legislação especial, cujos dispositivos foram transcritos em destaque, alhures, restou transparente que, inclusive, as empresas administradoras de cartões de crédito (BB – ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO S/A.; CREDICARD S/A.; FININVEST S/A., etc.), em que pesem serem sociedades anônimas, não superam os requisitos impostos pela mencionada lei especial. Não é demais conferir:

“Art. 18. – As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.”

Ousamos dizer, ademais, se alguma dessas empresas possui a referida autorização, tal se deu em desobediência à lei, o que pode configurar CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (vide Lei nº 7.429/86).

Aliás, TÓRTIMA[9], bem a propósito, ressalta:

“Já se observou, alhures, o aparente paradoxo na “criminalização de condutas imanentes ao processo econômico, práticas “naturais” em uma organização social, cuja lógica interna celebra a obtenção do lucro a qualquer preço”[10]. De fato, a economia de mercado, típica dos estados capitalistas, caracteriza-se pelo notável grau de liberdade concedida aos agentes envolvidos na disputa pelas melhores oportunidades de negócios ou na competição, por vezes brutal, em torno da mais rápida acumulação de capital, razão de ser do próprio sistema. Em tal modelo, a ingerência regulatória do Estado apresenta-se, por princípio, naturalmente limitada e periférica.

Nem por isso, todavia, pode-se concluir que a atividade econômica privada esteja inteiramente liberta de normas éticas, como acreditam alguns. Mesmo na rude disputa por mercados ou na trepidante competição pelas melhores posições no jogo financeiro, existem regras a serem observadas e, sobretudo, leis a serem respeitadas. E desse dever ético-jurídico, de respeito ao ordenamento legal, não estão obviamente exonerados os representantes da iniciativa privada. …

Demais disso, já se vem rompendo, entre nós, a antiga tradição de condescendência com as infrações ofensivas a interesses coletivos e difusos, como ocorre, preponderantemente, com os delitos de natureza econômica. …

… A famigerada lei da vantagem parece ter sido, ao menos parcialmente, revogada por uma consciência de cidadania.”.

O ilustre jurista, em sua obra, lembra Alberto Zacharias Toron[11], que observou:

“Esta forma de pensar esquece que numa sociedade edificada sobre a base da dignidade humana, estampada na Constituição como valor reitor (art. 1º, inc. III), não se pode conviver com a execreção pública, degradação e linchamento moral dos cidadãos, ainda que abastados, como forma de exercício do poder, tal qual se fazia no absolutismo sem que estivessem garantidos o direito de defesa e o devido processo legal dos atingidos. Por outras palavras, o que outrora se combateu como opressão dirigida aos segmentos desfavorecidos, porque afrontoso aos Direitos Humanos, não pode, perversamente, vir validado e aplaudido como se fosse a “democratização do direito penal”, que agora também atinge os ricos”.

Evidentemente, na prática, a Súmula nº 283, do STJ, tranca o acesso do jurisdicionado ao Judiciário, através do arbítrio e do indigno tratamento àquele que se vê solapado pela ganância das instituições financeiras, doravante disfarçadas de empresas administradoras de cartões de crédito.
Data maxima venia, o lamentável erro sumular merece, urgentemente, ser revisto, a fim de que o enunciado seja revogado, restabelecendo-

[1] Site ABECS – Associação Brasileira de Cartões de Crédito e Serviços – www.abecs.org.br.

[2] O Sistema Contratual do Cartão de Crédito. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 4.

[3] Os cartões de crédito bancário. Revista de Direito Mercantil, 8:121, apud BRANCO, Gerson Luiz Carlos, ob. cit., p. 4).

[4] Tratado teórico e prático dos contratos: Cartão de crédito, vol. 3, 2. ed., amp. at., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 83.

[5] Negócios jurídicos bancários: O banco múltiplo e seus contratos. 2. ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999,

[6] Cartões de Crédito: Natureza jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 62.

[7] São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor.

[8] TÓRTIMA, José Carlos. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional: Uma contribuição ao estudo da Lei nº 7.492/86. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 29.

[9] Ob. cit., p. 25.

[10] RODOLFO TIGRE MAIA, Dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 10.

[11] Crimes do colarinho branco: os novos perseguidos? In “Revista Brasileira de Ciências Criminais”, RT, 28:74.