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Publicada em 18 de junho de 2016

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Natureza da ação de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer

As inovações trazidas pela atual redação do art. 461 do Código de Processo Civil, recebeu, com entusiasmo, o apoio de inúmeros autores renomados, que a este instituto agregaram valorosos comentários.

Entre as inovações extraídas do dispositivo está a de permitir medidas executivas imediatas sem necessidade de processo de execução ex intervallo. A quebra do mito nulla executio sine titulo, na ação de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, é objeto de exame de Ada Pellegrini nas invulgares considerações que se seguem:

…descumprido o preceito da sentença ou de sua antecipação, passa-se às medidas executivas lato sensu, no mesmo processo de conhecimento já instaurado: se se tratar de obrigação de prestar declaração de vontade, aplica-se o sistema dos arts. 639/641 CPC, pois a sentença constitutiva já produz resultado equivalente ao da declaração; se se tratar de prestação fungível, que possa ser prestada por terceiro, a hipótese subsume-se ao disposto no art. 634 CPC – inalterado –, que não deixa de configurar medida sub-rogatória enquadrável no § 5º do art. 461, independente de processo separado de execução; nas demais hipóteses, a multa se torna exigível e, sempre que possível, o juiz procederá de imediato à tomada de providências sub-rogatórias exemplificadas no § 5º do art. 461, para atingir o resultado equivalente ao adimplemento, sem necessidade de execução(9).

Sendo assim, conclui a autora, está-se diante de sentença cuja natureza não encontra identificação “na visão tradicional, que classifica o processo de conhecimento, e as sentenças nele proferidas em meramente declaratórias, condenatórias e constitutivas” (10).

E postula, ainda:
…a sentença do art. 461, quando aplicadas as medidas sub-rogatórias previstas em seu § 5º, é de natureza condenatória, mas atípica, pois os atos executórios são praticados no próprio processo de conhecimento. O que nada mais é do que reconhecer a existência de sentenças condenatórias imediatamente executivas, ou, em outras palavras, de sentenças executivas lato sensu(11).

Observa, mais adiante, lembrando as críticas da doutrina ao reconhecimento da categoria das sentenças mandamentais, que:

…hoje as coisas mudaram: a prestação jurisdicional invocada pelo credor da obrigação de fazer ou não fazer deve ser a expedição de ordem judicial, a fim de que a tutela se efetue em sua forma específica. Bem o demonstra o teor do § 4º do art. 461, que permite ao juiz impor ao obrigado multa diária (desde que suficiente ou compatível com a obrigação), independentemente de pedido do autor: o pedido deste, portanto, terá sido de expedição de uma ordem para que, por meios sub-rogatórios, se chegue ao resultado prático equivalente ao adimplemento. Por outro lado, o destinatário da sentença não é mais exclusivamente a autoridade pública ou o agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder Público (segundo o art. 5º, inc. LXIX, da Constituição vigente), como ocorre no mandado de segurança, mas sim qualquer demandado, titular de uma obrigação de fazer ou não fazer(12).

E arremata, afirmando que “o art. 84 do CDC e, agora, o art. 461 CPC demandam uma profunda revisão da crítica à existência da sentença mandamental, hoje realidade incorporada ao processo civil comum” (13).

Em outras palavras, essa insigne doutrinadora reconhece, na ação de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, traços característicos de ação executiva lato sensu e de ação mandamental, porém, expõe claramente não se tratar ela de ação puramente condenatória.

Nesta mesma diapasão, entoa Ovídio Baptista: “parece-nos indiscutível”, afirma, “que a ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, do art. 461, pode ser tudo, menos uma ação condenatória, com execução diferida” (14). E mais adiante: “…as ações do art. 461 ou serão executivas (…); ou serão mandamentais” (15), tudo dependendo da natureza das providências ordenadas pelo juiz, com base nos poderes que lhe conferem os §§ 4º e 5º, do art. 461.

No entender de Kazuo Watanabe:

…valeu-se o legislador, no art. 461, da conjugação de vários tipos de provimento, especialmente do mandamental e do executivo lato sensu, para conferir a maior efetividade possível à tutela das obrigações da fazer ou não fazer, de modo que a execução específica ou a obtenção do resultado prático correspondente à obrigação pode ser alcançado através do provimento mandamental ou do provimento executivo lato sensu, ou da conjugação dos dois. Através do provimento mandamental é imposta uma ordem ao demandado, que deve ser cumprida sob pena de configuração de crime de desobediência, portanto mediante imposição de medida coercitiva indireta. Isto, evidentemente, sem prejuízo da execução específica, que pode ser alcançada através de meios de atuação que sejam adequados e juridicamente possíveis, e que não se limitam ao pobre elenco que tem sido admitido pela doutrina dominante. E aqui entra a conjugação do provimento mandamental com o provimento executivo lato sensu, permitindo este último que os atos de execução do comando judicial sejam postos em prática no próprio processo de conhecimento, sem necessidade de ação autônoma de execução(16).

O problema de se reconhecer sempre, na ação do art. 461, uma ação executiva lato sensu, ou seja, que permite desde logo, na mesma relação processual, as providências executivas decorrentes da sentença (que é mandamental ou executiva, ou conjugadas), está no reformado art. 644 do Código de Processo Civil, que, como visto em tópico anterior, prevê ação autônoma de execução de obrigações de fazer ou não fazer determinada em título judicial. Afirma a autorizada doutrina que, se a sentença está sujeita a ação de execução autônoma, ex intervallo, como prevê o dispositivo, é porque o art. 461 produz, pelo menos em certos casos, sentença condenatória, e não executiva lato sensu.

A elucidação da questão tem relevante importância prática, pelas conseqüências de ordem processual daí decorrentes, entre elas, v.g., a relativa à defesa do devedor e à competência para promover os atos de execução.

Com efeito, se se considerar a sentença como condenatória, a defesa do executado será promovida por via de embargos, ou seja, por uma nova ação autônoma e incidental (de conhecimento), caso houver execução; todavia, caso se considere a sentença como de natureza executiva ou mandamental, toda a matéria de defesa, inclusive no que se refere às providências executórias, se dará por petição e, se for o caso, por recurso de agravo, na própria ação de conhecimento original. Por outro lado, no que tange à competência, sendo considerada condenatória a sentença, será competente para a ação de execução o juízo originariamente competente para decidir a ação de conhecimento (CPC, art. 575, I e II). O mesmo não ocorreria em se tratando de sentença executiva lato sensu. Vislumbre-se a hipótese em que, estando o processo em fase recursal, haja antecipação da tutela, com base no art. 461, § 3º, deferida pelo relator. Aqui, se considerada de natureza condenatória, a decisão antecipatória servirá como título executivo para a instauração de ação executiva perante o juízo a quo. Contudo, se tratada como executiva lato sensu, o cumprimento da medida antecipatória será promovido, desde logo, perante o próprio órgão que a deferiu, isto é, o tribunal(17).

Ovídio Baptista, aliás, nega a natureza condenatória da ação do art. 461, em qualquer caso, quando assevera:

Parece-nos fora de dúvida que o modo como está concebido o art. 461 afasta a conclusão de que as ações aí indicadas pudessem ter por objetivo apenas a condenação do demandado, a fim de que a execução da sentença se processasse, com fundamento no art. 644, numa segunda demanda. Na verdade, esta norma limita-se a autorizar o juiz, a quem caiba ordenar a execução, a fixar multa a ser suportada pelo demandado, quando omissa a sentença. Não seria lícito extrair dela a conclusão de que esteja prevista aí uma ação de execução complementar à pretensa sentença condenatória do art. 461(18).

Convém, para a maior clareza do exposto, que ora se faça uma breve consideração de ordem conceitual.

Costuma-se, para efeito de distinção entre as ações executivas lato sensu e as condenatórias, definir as primeiras como sendo as que comportam, em si mesmas, também os atos de execução e as segundas, aquelas cuja a execução é deslocada para ação autônoma(19). Com base nesta distinção, pode-se considerar como pertencente à classe das ações executivas lato sensu aquela de que resulta sentença mandamental, isto é, sentença em que o juiz emite uma ordem de execução imediata.

Destarte, quando se faz alusão à “ação executiva lato sensu” quer-se referir à ação em que os provimentos judiciais ali emitidos, sejam específicos ou sub-rogatórios, são cumpridos na própria relação processual de conhecimento.

O cotejo do art. 461 do CPC não deixa dúvida de que a ação de cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer contém uma executividade lato sensu, ou melhor, comportam em si mesmas a execução em função da configuração da obrigação a ser cumprida, o que a torna incompatível com uma posterior ação executiva autônoma.

Dentre as possibilidades do art. 461, é passível de ser identificada com legitimamente executiva lato sensu a ação em que se postula a tutela específica de obrigação de não fazer (obrigação omissiva), posto que eminentemente preventiva, sendo tutela consistente, necessariamente, numa ordem para que o réu se abstenha, tolere ou permita algum ato ou fato. A sentença, portanto, tem caráter mandamental e poderá vir acompanhada de multa cominatória, com valor fixo (e não diário), para o caso de descumprimento da ordem.

Analisando-se pelos critérios da finalidade e da efetividade, visados pelo legislador da reforma processual, há que se entender, também, como de natureza executiva lato sensu a ação para o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer nas hipóteses em que deferida a antecipação da tutela com base no art. 461, § 3º.

Neste particular, comenta Teori A. Zavascki:

Ora, se a lei prevê a antecipação de efeitos executivos como meio para superar a ameaça de ‘ineficácia do provimento final’, e assim garantir a prestação da tutela específica, parece certo que não haveria sentido lógico em diferir a efetivação dos correspondentes atos executivos para uma outra ação, com nova citação, com fixação de prazo para cumprimento, sujeita a embargos etc. Só há sentido no § 3º do art. 461 quando, não apenas a decisão antecipatória, mas também a sua execução, sejam procedidas de imediato e afastando, com isso, o iminente risco de ineficácia. (…) inclinamo-nos em considerar que as ações previstas no art. 461 serão executivas lato sensu quando isso decorra da natureza própria da obrigação a ser cumprida (obrigação de concluir contrato, obrigação de declarar vontade, obrigação específica de não fazer) ou quando, para resguardo da efetividade da tutela específica ou da medida de resultado prático equivalente, houver urgência na concretização dos atos executórios (antecipação da tutela com fundamento no § 3º do art. 461). Nos demais casos, havendo compatibilidade e não se fazendo presente qualquer risco de ineficácia, a sentença terá natureza condenatória, sujeita, portanto, à execução ex intervallo e em ação autônoma(20).

Pelo exposto, nota-se que a característica da executividade lato sensu impregna a ação de cumprimento do art. 461 do CPC, mormente nos casos de tutela de obrigação de não fazer e naqueles em a urgência requer a antecipação prevista no § 3º. Nas demais hipóteses, divergem os doutrinadores pátrios, alguns entendendo a ação de cumprimento manter a natureza executiva lato sensu e mandamental, devendo as medidas práticas da tutela serem tomadas na própria ação de conhecimento, outros a entender que, inexistindo o risco de ineficácia, deverão as medidas executivas ser tomadas em ação autônoma.